A nova lei de licitações e contratos administrativos
Aspectos técnicos mais relevantes para os serviços e obras de engenharia.
Marcelo Corrêa Mendonça
Engenheiro civil – Diretor Técnico
A NLLC[1] é extensa, compõe-se de 194 artigos contra 126 da Lei 8.666/93, deixou para regulamentos posteriores mais de quarenta dispositivos, não definiu a especificidade desses regulamentos e a competência para as respectivas edições. Traz muitas modificações no sistema de licitações e contratações públicas, muitas delas positivas para as obras e serviços de engenharia.
Em uma série de artigos, sendo esse o primeiro, vamos abordar e comentar as principais modificações introduzidas nas licitações e contratações de serviços e obras de engenharia pela NLLC, que implicou alterações significativas nas licitações e contratos firmados com o poder público em todas as suas esperas.
I-PARTE-GENERALIDADES
Passados mais de 27 anos da Lei 8.666/93, entra em vigor a nova lei de licitações, de nº 14.133 de 1º de abril de 2021(NLLC), que veio para substituir a Lei 8.666/93, bem como a de n.º 12.462/11 – RDC – artigos 1º ao 47º-, Lei do Regime diferenciado de contratações que deixará de existir, pois as suas normas estão incluídas na NLLC, que também considerou normas da Lei 13.303/16, conhecida como lei das estatais e da Lei do Pregão, de nº 10.520/02, além de incorporar diversas decisões contidas em acordão do TCU.
As licitações ou contratações durante um período de 02 anos, a contar de abril de 2021, a critério da administração pública, poderão se dar por qualquer uma dessas 04 leis, entretanto, sem a possibilidade de aplicação combinada com a NLLC. Além do exposto, os contratos firmados sob a égide de qualquer uma dessas leis antes e depois da entrada em vigor da NLLC se manterão subordinados aos normativos das referidas leis.
Nos termos do art. 174 da NLLC foi criado em agosto de 2021 o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), sítio eletrônico oficial destinado a editais de credenciamento e de pré-qualificação, avisos de contratação direta e editais de licitação com os respectivos anexos, contratos, termos aditivos, planos de contratação anuais, catálogos eletrônicos de padronização, atas de registro de preços, dentre outros. Os dados acima listados devem ser divulgados no Portal Nacional de Contratações Públicas. Além do exposto, o Art. 94 prevê que só terão eficácia contratos e termos aditivos publicados no PNCP.
No caso de municípios com até 20.000 habitantes, o prazo para a constituição do PNCP é de 06 anos, ou seja, somente a partir de abril de 2027, se tornará obrigatória a implementação do PNCP nesses municípios.
Em linhas gerais, no que diz respeito às contratações de serviços e obras de engenharia, em nosso entendimento, as principais modificações introduzidas pela NLLC foram as seguintes:
1. Definições de superfaturamento e sobrepreço
No Capítulo III, Das Definições, no Art. 6º constaram os conceitos de sobrepreço e superfaturamento, que já haviam sido introduzidos pela Lei das estatais – Lei Federal n.º 13.303/2016- e agora, consolidados na NLLC
LVI – sobrepreço: preço orçado para licitação ou contratado em valor expressivamente superior aos preços referenciais de mercado, seja de apenas 1 (um) item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, seja do valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por tarefa, empreitada por preço global ou empreitada integral, semi-integrada ou integrada;
LVII – superfaturamento: dano provocado ao patrimônio da Administração, caracterizado, entre outras situações, por:
a) medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecidas;
b) deficiência na execução de obras e de serviços de engenharia que resulte em diminuição da sua qualidade, vida útil ou segurança;
c) alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado;
d) outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual
com custos adicionais para a Administração ou reajuste irregular de preços.
2. Distinção clara entre obras e serviços de engenharia.
A NLLC no Capítulo III, Das Definições, no Art. 6º faz distinção entre obras e serviços de engenharia, senão vejamos:
XXI – serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo, são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que compreendem:
a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens;
b) serviço especial de engenharia: aquele que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não pode se enquadrar na definição constante da alínea “a” deste inciso;
XII – obra: toda atividade estabelecida, por força de lei, como privativa das profissões de arquiteto e engenheiro que implica intervenção no meio ambiente por meio de um conjunto harmônico de ações que, agregadas, formam um todo que inova o espaço físico da natureza ou acarreta alteração substancial das características originais de bem imóvel.
Grifou-se.
Os serviços de natureza intelectual, dentre eles os de engenharia e arquitetura, foram claramente definidos no inciso XIII do art. 6º, como os serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, aqueles realizados em trabalhos relativos a: estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos e projetos executivos; pareceres, perícias e avaliações em geral; assessorias e consultorias técnicas e auditorias financeiras e tributárias; fiscalização, supervisão e gerenciamento de obras e serviços; patrocínio ou defesa de causas judiciais e administrativas; treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; restauração de obras de arte e de bens de valor histórico; controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem na definição deste inciso;
No caso dos serviços de engenharia, criou-se a diferenciação entre serviços comuns e especiais, essa diferenciação implicou também na diferenciação do regime de contratação. Para o serviço especial estão previstas as modalidades de concorrência cujos critérios de decisão podem ser menor preço, melhor técnica ou conteúdo artístico; técnica e preço; maior retorno econômico e maior desconto. Para o serviço comum de engenharia podem ser, o pregão e concorrência, sempre com aplicação do critério do menor preço.
No caso das obras propriamente ditas, não foram separadas em obras comuns e especiais de engenharia, apesar de constar de alguns dispositivos da lei a menção a obras comuns ou obras especiais, a saber: art. 6º, inciso XXXVIII; quando da possibilidade de dispensa de “projetos” art. 18, § 3º; quando da adoção do critério de julgamento técnica e preço art. 36, § 1º, inciso IV e finalmente, no caso dos prazos para apresentação de propostas (art. 55, inciso II, alíneas a e b). Temos aí uma lacuna na lei, ou o legislador considerou obras comuns aquelas relacionadas aos serviços comuns e as obras especiais, aquelas relacionadas aos serviços especiais. Vamos aguardar, se essa questão será disciplinada no futuro, por modificação na lei, ou por meio de acórdãos do TCU.
3. Obras e serviços de grande vulto
A NLLC no Capítulo III, Das Definições, no Art. 6º, inciso XXII define o que são obras e serviços de grande vulto. As obras, serviços e fornecimentos de grande vulto são aqueles cujo valor estimado supera R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais).
Essas obras, serviços e fornecimentos de grande vulto estão sujeitos a aplicação de alguns critérios específicos:
· Matriz de riscos
Implicará cláusula contratual, cujo objetivo é definir riscos em que a execução da obra estará sujeita em face de fatos supervenientes à contratação. Tem a pretensão de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato em face de eventos posteriores ao início da obra, está disciplinada no § 4º do art. 103 da NLLC.
· Programa de Integridade
O § 4º do art. 24º dispõe que nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contados da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.
· Seguro Garantia
O art. 99. dispõe que nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, com cláusula de retomada prevista no art. 102 da Lei 14,133/21, em percentual equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato.
O art. 19 da Nova Lei de Licitações prevê que os órgãos da administração pública gradativamente devam:
“(…)
V – promover a adoção gradativa de tecnologias e processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia.
(…)”
5. Sistema de Registros de Preços
Na Seção V, do Sistema de registro de preços, o art. 85 dispõe que a Administração poderá contratar a execução de obras e serviços de engenharia pelo sistema de registro de preços, desde que atendidos os seguintes requisitos:
“I – existência de projeto padronizado, sem complexidade técnica e
operacional;
II – necessidade permanente ou frequente de obra ou serviço a ser
contratado.”
6. Adoção da técnica e preço
Na Seção III, Dos Critérios de Julgamento, o art. 36 dispõe que o julgamento por técnica e preço considerará a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos previstos no edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta. Em seu § 2º determina que no julgamento por técnica e preço deverão ser avaliadas e ponderadas as propostas técnicas e, em seguida, as propostas de preço apresentadas pelos licitantes, na proporção máxima de 70% (setenta por cento) de valoração para a proposta técnica.
7. Licenciamento ambiental e desapropriação podendo ser realizados pela empresa contratada
A NLLC dispõe em seu art. 25, que o edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento. Dentre outras situações, no seu § 5º, o art. 25 estabelece que o edital poderá prever a responsabilidade do contratado pela:
“I – obtenção do licenciamento ambiental;
II – realização da desapropriação autorizada pelo poder público.”
8. Orçamento sigiloso
A NLLC dispões em seu Art. 24, se devidamente justificado, que o orçamento estimado da contratação poderá ter caráter sigiloso, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas, mas nesse caso:
“I – O sigilo não prevalecerá para os órgãos de controle interno e externo;
II – (VETADO).
Parágrafo único. Na hipótese de licitação em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, o preço estimado ou o máximo aceitável constará do edital da licitação.”
9. Dispensa de apresentação de projetos
No Capítulo II Da Fase Preparatória, na Seção I, Da Instrução do Processo Licitatório, a NLLC estabelece no artigo 18 que: A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 da Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação:
“(…)
§ 3º Em se tratando de estudo técnico preliminar para contratação de obras e serviços comuns de engenharia, se demonstrada a inexistência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados, a especificação do objeto poderá ser realizada apenas em termo de referência ou em projeto básico, dispensada a elaboração de projetos.
(…)”
10. Contratação Integrada e semi-integrada
No Capítulo III, Das Definições, no Art. 6º, constam dos incisos XXXII e XXXIII as definições de contratação integrada e semi-integrada, que agora são admitidas pela NLLC:
XXXII – contratação integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto;
XXXIII – contratação semi-integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver o projeto executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto;
11. Diálogo competitivo
No Capítulo III, Das Definições, no Art. 6º, constam dos incisos XLII uma inovação introduzido pela NLLC, o diálogo competitivo que está definido no inciso XLII da lei:
“XLII – diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos;”
Trata-se de contratação de obras, serviços e compras na qual a administração pública dialoga com os licitantes, que foram previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos. Está restrita as modalidade em que a administração tem por objetivo contratar algo que envolva condições especificadas, a saber: inovação tecnológica ou técnica; impossibilidade do órgão ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e impossibilidade das especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela administração.
Em linhas gerais, são essas as modificações que nos chamaram atenção, evidentemente, que em uma lei extensa com essa, a cada nova leitura, vamos verificando outras situações que merecem análise mais aprofundada. Nos próximos artigos, vamos entrar em detalhes sobre cada uma dessas situações e apontar, em nosso entendimento, as eventuais dificuldades ou vantagens destes novos dispositivos.
REFERÊNCIAS
Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o artigo 37, XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 10 de janeiro de 2022.
Lei n.º 12.462, de 04 de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12462.htm. Acesso em: 10 de janeiro de 2022;
Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 10 de janeiro de 2022