Ética Engenharia - A nova lei de licitações e contratos administrativos 2

A Nova Lei De Licitações e Contratos Administrativos – Diálogo Competitivo

O Diálogo competitivo – Obras e serviços de engenharia

 

Marcelo Corrêa Mendonça

 

Engenheiro civil – Diretor Técnico Ética Serviços de Engenharia.

 

Em nosso último artigo, publicado aqui nesse blog da Etica Serviços de Engenharia, apresentamos as nossas primeiras impressões sobre a NLLC[1] e informamos que publicaríamos uma série de artigos sobre a questão, todos sob a ótica da engenharia e de nossa vivência no contencioso técnico de obras públicas, no âmbito das perícias judiciais. Nesse artigo, vamos apresentar as nossas primeiras impressões sobre a o Diálogo Competitivo, introduzido nas contratações públicas pela NLLC em seu art. 28, sobre modalidades de licitação.

 

No Capítulo III-Das Definições, em seu artigo 6º temos a definição do Diálogo competitivo:

 

XLII
– diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos;

 

O diálogo competitivo introduzido pela NLLC inspirou-se nas diretivas de Contratações Públicas da União Europeia, que desde 2004[2] preveem a figura do diálogo concorrencial. A última diretiva sobre essa questão é de 2014[3].

 

No nosso país, tudo indica que o diálogo competitivo se prestará a resolver problemas de difícil solução para o poder público. Mas, o que vem a ser uma solução difícil em termos de engenharia? O legislador não definiu. O que é simples em termos de engenharia para uma prefeitura de capital, pode ser altamente complexo em uma pequena cidade do interior, onde a municipalidade não possua corpo técnico adequado para a concepção de determinada obra. Assim, esse pequeno município poderá se valer dessa modalidade de licitação. Em nosso entendimento, o diálogo competitivo, vai contribuir para reduzir a ação dos “vendedores” de projeto, que por meio de lobistas induzem as prefeituras do interior a licitar obras, muitas das vezes inadequadas, que não são as melhores soluções para o município.

 A modalidade pode  ser adotada nas seguintes situações:[4]

 

“A modalidade diálogo competitivo é restrita a contratações em que a Administração

I – Vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições:

a) inovação tecnológica ou técnica;

b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado;

c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração;

(…)”

 

Portanto, poderá ser aplicada nas seguinte hipóteses: (i) No caso das obras, projetos e serviços para os quais o mercado dispõe de novas soluções técnicas, que administração não domine, tais como novas tecnologias para execução de túneis, barragens, que o mercado conhece bem e a administração não; (ii) A administração necessite consultar o mercado, quando for preciso que soluções disponíveis sejam adaptadas às necessidades públicas; (iii) Quando o poder público, em alguma de suas esferas, não tiver condições de definir  as especificações da obra, projeto ou serviço, ou seja, vai auscultar o mercado para saber o que melhor atenderia à questão técnica, por exemplo,  qual seria o melhor tipo de estrutura para um edifício público, que deverá atender a determinadas necessidades.

 

(…)

“(…)[5]

II – verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alternativas que possam satisfazer suas necessidades, com destaque para os seguintes aspectos:

a) a solução técnica mais adequada;

b) os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida;

c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato.

(…)”

 

Em face do inciso II, a administração, quando só  conhece parte  das alternativas capazes de resolver as suas necessidades, ou até mesmo não conheça nenhuma, no caso da engenharia,  qual o tipo de obra, projeto ou serviço vai resolver  a questão. Sabendo a administração, que o mercado dispõe destas soluções,  a licitação pode ser realizada pela modalidade do diálogo competitivo para obter a melhor técnica, ou  os requisitos  necessários para uma solução já definida, ou ambas as situações.

 

A primeira etapa do diálogo competitivo implica publicação do edital de pré-seleção dos eventuais licitantes, com prazo mínimo de 25 dias uteis, nesse edital de pré-seleção, na prática, o poder público informa ao mercado que, tem uma obra, projeto ou serviço a ser executado para os quais ainda não tem a solução técnica para equacionar a questão. Terminado o prazo de inscrição, a administração por meio de critérios objetivos, por ela definidos, realiza a pré-seleção dos participantes do diálogo competitivo, que serão  empresas ou consultores que atenderem aos mencionados critérios objetivos. Esses critérios, dentre outros, deveriam ser, a expertise técnica e capacidade financeira para execução da obra, projeto ou serviço de engenharia.

 

O legislador não estabeleceu esses “critérios objetivos”, portanto, subentende-se que cada órgão da administração, em função do que deseja licitar por meio do diálogo competitivo, vai estabelecer esses critérios objetivos. Terminado o processo de seleção,  a administração vai realizar reuniões individualizadas com cada um do participantes, ou seja, os diálogos, com objetivo de buscar as soluções para a obra, projeto ou serviço, que pretenda contratar, trata-se da fase dialógica. Durante o diálogo, o processo deve ser sigiloso, a administração só pode divulgar, nessa fase, alguma informação, caso o autor assim o permita.

 

As propostas serão analisadas por comissão com no mínimo três membros, composta obrigatoriamente por servidores públicos efetivos ou empregados públicos do quadro permanente. A administração pode contratar profissionais ou empresas para assessorar a comissão, esses profissionais, em nosso entendimento, deveriam ter notório saber sobre a questão. A comissão analisa todas as propostas técnicas objeto do diálogo, mas não decide. A decisão será da instancia superior do órgão da administração que realiza a licitação. Concluída essa fase, escolhida a melhor ou as melhores soluções pelo poder público, entramos na fase subsequente, que é a fase competitiva, a licitação propriamente dita.

 

Para a fase competitiva, deverá ser publicado novo edital com as especificações e projeto básico da solução obtida a partir dos diálogos, que poderá ser modificada pelo poder público. A administração pode, inclusive, licitar mais de uma solução. Só poderão participar da fase de competição aquelas empresas selecionadas para a fase do diálogo, pois do contrário, caso a fase competitiva fosse aberta, não haveria para as empresas vantagem alguma em participar do diálogo, por razões obvias.

 

No edital, na fase competitiva, deverá constar também os critérios objetivos para seleção das propostas técnica e comercial  mais vantajosa. O prazo mínimo para a apresentação das propostas técnicas e comerciais será 60 (sessenta) dias úteis, para todos os licitantes pré-selecionados na primeira fase. A legislação não estabelece o critério de julgamento, se menor preço, técnica e preço, dentre outros previstos na Lei.

 

Do exposto infere-se, que o diálogo competitivo visa cooperação do setor privado como o público, nas situações em que a solução é  complexa e a administração não tenha o domínio sobre as questões, jurídicas, financeiras e técnicas. Trata-se de modalidade inspirada em diretivas da União Europeia, portanto, uma realidade cultural bem diferente da nossa. Lá, as instancias técnicas são mais respeitadas, as influências políticas e o nível de corrupção são menores em todas as esferas públicas. Além do mais, os judiciários dos países componentes da União Europeia, uns mais outros menos, são eficientes.

 

Trata-se, portanto, de uma ferramenta moderna, que permitirá ao poder público atender às suas necessidade dentro das melhores soluções proporcionadas pelo estado da técnica da época da licitação. Mas, há que se ter  cuidado, para evitar o direcionamento, a influência política, a corrupção, dentre outros aspectos, além de capacitar e respeitar  os corpos técnicos  públicos, com planos de carreira atrativos e concursos rigorosos.   

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o artigo 37, XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 10 de janeiro de  2022.

 

Lei n.º 12.462, de 04 de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12462.htm. Acesso em: 10 de janeiro de 2022;

 

Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 10 de janeiro de 2022;

 

OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de. O Diálogo Competitivo do Projeto de Lei de Licitação e Contrato Brasileiro. Disponível em: www.licitacaoecontrato.com.br. Acesso em: 25/01/2022;

 

Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março de 2004. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:02004L001820160101&from=IT.  Acesso em 10/01/2022;

 

Diretiva 2014/25/UE  do Parlamento  Europeu e do Conselho de 26  de fevereiro de 2014. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0025&from=GA. Acesso em :10/01/2022;

 

BONATTO, Hamilton. Tecnologias inovadoras nas obras públicas: há pedras no meio do caminho. Disponível em:https://www.olicitante.com.br/tecnologias-inovadoras-obras-publicas/.IBRAOP. Orientação Técnica OT – IBR 002/2009 – Obras e Serviços de Engenharia. Disponível em: https://www.ibraop.org.br/wpcontent/uploads/2013/06/OT-IBR-02-2009-Ibraop-01-07-10.pdf.

 

BONATTO, Hamilton. Notas sobre Obras e Serviços de Engenharia na Nascitura Lei de Licitações e Contratos. Disponível em: www.licitacaoecontrato.com.br. Acesso em: 20/01/2022;

 

NAKAMURA, Andre Luiz dos Santos. Formas de participação privada na modelagem dos projetos de infraestrutura: diálogo competitivo, procedimento de manifestação de interesse (PMI) e manifestação de interesse privado (MIP). Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano 7, n. 14, p. 31-50, jul./dez. 2018;

 

Dotti, Restelatto, Maria Inês. 99 Destaques da nova Lei de Licitações. Disponível em https://www.ibraop.org.br. Acesso em 03/02/2022;

 

Avelar Magalhães Mariana. 7 pontos do Diálogo competitivo que você precisa saber. Disponível em https://www.ibraop.org.br. Acesso em 03/02/2022;

 


[1]   Lei 14.133/21 Lei de Licitações e Contratos Administrativos,  conhecida como NLLC,  nova lei de licitações e contratos
administrativos

[2] Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março de 2004;

[3] Diretiva  2014/25/UE do Parlamento  Europeu e  do Conselho de 26  de fevereiro de 2014

[4] Art. 32 da NLLC

[5] Inciso II do art. 32.

 

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